Não Julgar







O não-julgamento é um exercício difícil no dia-a-dia, embora possível de se ir exercitando ocasionalmente: connosco e com os outros.

Há poucos momentos na vida onde sinto que não me julgo e/ou não julgo outras pessoas. 
Cada sessão de Watsu traz até mim essa possibilidade e esse acontecimento fabuloso de não-julgamento. A beleza de não me julgar, nem julgar quem recebo nos braços é uma prenda valiosa para o mim e para qualquer pessoa, na verdade.

O seu valor ultrapassa a consciência: quem recebe a sessão não está consciente desse não-julgamento;
ultrapassa a mente e o entendimento: o seu exercício não se explica por palavras ou gestos antes, durante ou depois de acontecer;
ultrapassa o corpo e o efeito que possa ter no momento da sessão: o não-julgamento não se sente de uma forma evidente no corpo. 

No entanto, pode estar presente quando a pressão aplicada corresponde à necessidade daquele corpo, ou o alongamento foi levado ao ponto prazeroso, ou o momento em que o silêncio e a quietude chegaram coincidiu com o estado de alma do receptor – entre outras coisas a acontecer nesse momento, está a acontecer também o não-julgamento naquele corpo e naquele ser. 
Eu não estou a pensar: a pressão que esta pessoa precisa é esta; o alongamento que este corpo precisa é este; este é o momento em que esta pessoa precisa de parar. Não. Simplesmente acontece. E, num conjunto de vários factores, pode coincidir com o momento do receptor.
Esse momento é uma bênção, um presente na sessão – mesmo sem ser evidente que aconteceu.

O não-julgamento tem uma forma de se manifestar que não se vê e que pode passar despercebida a quem recebe. 
O não-julgamento tem uma forma de nos receber que ultrapassa os braços abertos, o toque terapêutico, a escuta, a presença e, ao mesmo tempo, os envolve a todos. A sua manifestação invisível tem um efeito exponencial. É como se ninguém soubesse que está a acontecer e só a um nível celular fosse percebido.

Como terapeuta, procuro que isto aconteça em cada sessão.
Faço um exercício mental muito simples que me ajuda ainda antes de deitar a pessoa nos meus braços.
Há uma conversa introdutória com o receptor onde informo e explico alguns detalhes e onde há espaço para o receptor me informar ou esclarecer alguma dúvida. Após essa conversa inicial, eu apago da minha mente tudo o que sei dessa pessoa (quer essa pessoa seja meu amigo há uma vida e eu tenha muita informação, quer seja a primeira vez que a vejo e a informação seja muito pouca).
O resultado é extremamente libertador para mim, como terapeuta, porque me permite, durante a sessão,  “não saber” e não julgar.

Isto funciona para mim também, evitando julgar as minhas limitações, as minhas percepções, o meu corpo (“não consigo chegar aos pés deste senhor de 2 metros de altura”; “sou muito baixa para conseguir fazer este movimento”; “não tenho força para puxar/empurrar”).

E assim, não é preciso encontrar desculpas ou culpas. Cada corpo é único, cada pessoa vem com o seu corpo, as suas necessidades, as suas expectativas, a entrega possível ao momento. 
E eu não me sinto pequena, não sinto os braços curtos, as pernas ou as mãos pequenas, não há muito espaço para a frustração por não ter conseguido fazer um movimento.

Partimos os dois para uma sessão, na mesma posição de incógnita, na mesma linha de partida. Porque eu, tal como o receptor, também não sei onde vou tocar, o que vou alongar ou massajar, quando e como vou parar para escutar...

Entre tantas outras prendas bonitas, o Watsu trouxe-me esta também: o não-julgamento.

Termino este post com uma pergunta:
Para vocês, não julgar é o mesmo que aceitar?


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